7.11.14

Timor-Leste: A arrogância de Xanana Gusmão

Em 1999, as milícias pró-indonésias destruíram Timor Leste à frente dos nossos olhos. Não foram só as casas e os edifícios públicos que ficaram em pó. De um dia para o outro, desapareceram do país praticamente todos os quadros porque os quadros eram sobretudo ocupados por indonésios, não por timorenses. Raras vezes na história a ideia do “nascimento” de uma nação foi tão literal. Os timorenses não começaram do zero absoluto. Tinham a sua cultura, língua e costumes. Mas se pensarmos em democracia falar em zero não é exagero. Nada disto pode ser ignorado quando pensamos na incrível decisão do governo timorense de expulsar os magistrados estrangeiros, entre os quais alguns portugueses. O sistema de justiça timorense tem 12 anos. Começou a ser construído do zero, quando não havia um tribunal em pé e, mais importante, nenhum magistrado. Quando em 2000, com o país em cinzas, as Nações Unidas começaram a reconstruir o país, distribuíram panfletos de helicóptero a pedir em tetum e bahasa indonésio algo do tipo: “Se estudou Direito ou trabalhou num tribunal, fale connosco”. Apareceram 17 timorenses. Este foi o ponto de partida. Pouco depois, foram nomeados 25 juízes, 13 procuradores e nove defensores oficiosos. Todos tinham estudado em universidades indonésias e quase todos tinham sido confinados a tarefas laterais na justiça. Quando começaram, tiveram de mergulhar num corpo legal novo (e desconhecido), com leis em português (uma língua desconhecida) e tradutores fracos. Dez anos depois, um relatório independente escrevia isto: “Treze juízes, independentemente do seu mérito e dedicação, simplesmente não conseguem dar resposta às necessidades de justiça de mais de um milhão de pessoas espalhadas pelo país, muitas delas em áreas remotas.” Segundo a ONU, há hoje 17 juízes, 15 procuradores e 11 defensores oficiosos timorenses. A estes, juntavam-se cerca de 50 profissionais de justiça estrangeiros, 10 dos quais juízes. Numa frase, a justiça timorense é isto. A que se somam os problemas descritos em pormenor em inúmeras avaliações, como a da ONG local Judicial System Monitoring Programme, que há uns meses fez inspecções e encontrou tribunais sem um único computador a funcionar, sem livros de Direito, sem email e mesmo sem electricidade. Numa década não se constrói um sistema judicial. Sobretudo num país onde 50% dos adultos são analfabetos e 50% da população vive abaixo do limiar da pobreza. O primeiro-ministro Xanana Gusmão fala em “interesse nacional” para justificar as expulsões. Fala dos magistrados portugueses como se tivessem cometido um crime de enorme gravidade. Nada nem nenhuma insatisfação em relação ao seu trabalho justifica um tratamento tão humilhante. A arrogância demonstrada pelo poder timorense poderá ter explicações várias. Os timorenses querem ter o controlo sobre os destinos do seu país. Imaginaram que o processo de “capacitação” dos seus quadros seria mais rápido. Que os estrangeiros deveriam ser apenas assessores e mentores e não decisores. Poderão ter desejado não perder nenhum caso em tribunal. É legítimo. Mas é no mínimo injusto transformar os estrangeiros em bodes expiatórios para a sua frustração. Editorial do PÚBLICO

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