17.4.12

Bissau: a falência do Estado

Compulsando os actuais sinais que nos chegam da Guiné-Bissau, tudo aponta para que a frágil situação de paz que se vive possa estar novamente em risco. Aliás, é curioso que o maior desses sinais, sintomaticamente, se prenda ultimamente com a reiterada insistência do Presidente da República com pedidos expressos, dirigidos às instâncias internacionais, no sentido de se dotar o país de um serviço especializado em matéria de prevenção e mediação de conflitos.
Porém, a secundar estes sinais, que só aparentemente se afiguram como novos e/ou recentes, repousa incólume o sui generis sistema político implantado de algum tempo a esta parte e que, como tal, assenta os seus pilares no que poderíamos designar por compromisso tácito de silêncio entre os vários poderes em presença, destacando-se, entre estes, os existentes por um lado entre os diversos titulares dos órgão de soberania e, por outro, entre estes e os militares e ainda os barões do narcotráfico e os gurus da agiotagem e da corrupção.
É evidente que a permanente retro alimentação deste inenarrável e imoral esquema de compromisso de silêncio é feita (foi sempre feita) a partir das esferas e dos recursos do Estado, no qual, também, através de um complexo labirinto de cumplicidades se processam as nomeações de conveniência, encarregando-se depois os diversos representantes dos interesses instalados, normalmente os da estrutura intermédia do aparelho do Estado, de dar vazão às tarefas de prospecção e redistribuição de avultadas transacções em numerário e em benesses, mesmo que para isso tenham que deitar mãos ao erário público e a outros expedientes menos ortodoxos, como vem acontecendo ultimamente com o narcotráfico.
Com efeito, enquanto que em surdina decorrem rixas entre os grupos rivais que se digladiam pelo controlo do narcotráfico e das esferas de decisão política e jurídica, o já deteriorado nível de vida das populações está neste momento a atingir os limites do insuportável, concorrendo, uma e outra situação, directa ou indirectamente, para que na presente conjuntura económica e social o Estado só possa dar mostras de uma quase ou total falência técnica, agravado o emsmo do facto de a comunidade internacional mostrar-se fortemente relutante em financiar projectos de credibilidade duvidosa, aliás, factores que, cumulativamente - para lá dos intermitentes proventos do narcotráfico -, possam estar (estão mesmo!) a afectar o equilíbrio do esquema de que se alimentam as máfias locais, de resto, a braços com a escassez de recursos ffinanceiros fáceis e, por isso memo, indispensáveis ao serenar dos ânimos nas hostes do ciclo vicioso do sistema.
Neste momento, a situação de corda tensa é tal entre os políticos titulares dos diferentes órgãos de soberania e entre estes e os militares e ainda os diferentes grupos de pressão (agora transmudados em máfias diversas), a ponto de supor-se, logicamente, que o jogo de cintura prevalecente - a que inexplicável e curiosamente a comunidade internacional assiste impávida e serena - rpossa a curto-médio prazos revelar-se insuficiente e retardatária (mais uma vez) para evitar a implosão de um sistema/esquema no qual rareiam interlocutores válidos, justamente porque as elites várias não resistiram ao actual estado de coisas e, como maior ou menor razão, demitiram-se simplesmente do seu tradicional papel social ou a isso foram forçados.
Sendo muito difícil combater o actual sistema implantado e com o agravante do ser o os barões do narcotráfico e as diversas máfias quem influenciam a agenda política, económica e social do país, com todos refém de tudos, uns e outros à perna de todos nas esferas de decisão política, o Estado da Guiné-Bissau revelou-se e revela-se em toda a linha impotente para se impôr numa atmosfera assaz deletéria, pelo que a implosão referida, apesar de indesejada, é apenas uma bomba retardada, se nada for feito.
Espero, no entanto, estar redondamente enganado, pois a Guiné e os guineenses merecem mais e melhor!

Leopoldo Amado Outubro 2007

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