Raúl M. Braga Pires, em Rabat (www.expresso.pt)
Egipto, um país estratégico na encruzilhada Militar/Civil, Religioso/Secular
As 14h egipcias do domingo de Páscoa, marcaram o limite para a apresentação das candidaturas à respectiva eleição presidencial, que decorrerá a 23 e 24 de Maio, com uma provável segunda volta calendarizada para 16 e 17 de Junho.
As regras para a apresentação de candidaturas foram as seguintes: Os/as candidatos/as têm que ser egipcios/as, não podem ter dupla nacionalidade nem serem casados/as com um/a estrangeiro/a. A validação da candidatura também teve obrigatóriamente que ter o apoio de um número mínimo de 30 parlamentares, ou de 30 mil cidadãos eleitores egipcios.
Entre outros, os nomes mais sonantes e as principais polémicas, são as seguintes:
A Irmandade Muçulmana, que se tinha comprometido, aquando da sua arrebatadora vitória nas legislativas de Novembro/Dezembro, que não apresentaria nenhum candidato presidencial, acabou por apresentar a 31 de Março o nome do Vice-Guia Supremo da Irmandade, Mohamed Khairat Saad El-Shater. Muito provavelmente será desqualificado, sob a justificação de que não possui o cadastro limpo. Curiosamente, o mesmo foi sujo por ter sido detido pelo regime de Mubarak, tendo amargado na prisão desde 2007 até há um ano atrás, aquando da libertação em Março de 2011, pelo Conselho Superior das Forças Armadas (CSFA), herdeiro do regime que o deteve. A Irmandade, já veio a terreiro dizer que se El-Shater for desqualificado, tem outro candidato que o poderá substituir, não revelando ainda o nome.
Esta atitude da Irmandade, ao apresentar um candidato uma semana antes do final do prazo das candidaturas, deverá estar directamente relacionada com o facto de o CSFA também ter apresentado o seu candidato, o General Omar Suleiman, Vice-Presidente de Hosni Mubarak, por apenas 13 dias, os últimos do regime. Suleiman, figura de referência dos Serviços Secretos egipcios desde 1986, sendo a partir de 1993 o Chefe do Serviço Geral de Inteligência do Egipto (SGIE), liderou também nos últimos 10 anos o dossiê do Processo de Paz Israelo-Palestiniano. Ora este dossiê e a manutenção dos Acordos de Camp David, que garantem a paz entre o Egipto e Israel, são os assuntos charneira desta eleição, bem como do futuro da "revolução", neste país árabe. Neste sentido, Omar Suleiman é o candidato dos israelitas e, da mesma forma que a Irmandade apresentou um candidato presidencial após ter dito que não o fazia, também poderá denunciar Camp David, após já ter dito que não o fará. Nada nem ninguém garantem que não o faça.
Os salafistas do Partido Al-Noor, por seu turno, apresentaram Hazem Salah Abu Ismail, figura muito popular entre a população por se tratar de uma figura televisiva, com o seu próprio programa, onde veicula ideias como a necessidade de, precisamente, denunciar Camp David, baixar a idade do casamento para a puberdade, impôr a obrigatoriedade do véu nas mulheres, bem como separá-las dos homens nos locais de trabalho. Deverá ser desqualificado, pois é descendente de uma americana. Já o desmentiu, dizendo que a sua mãe apenas era possuidora de um Green Card (Cartão de Residente), mas a 05 de Abril, o Ministério do Interior confirmou a cidadania americana de sua mãe.
O laico Ayman Nour, fundador do Partido Ghad El-Thawra, "Revolução do Amanhã", foi desqualificado por já ter sido condenado nos tribunais num caso de falsificação de assinaturas, que remonta a 2005, quando era lider do Partido El-Ghad, "Partido do Amanhã", ano de eleições presidenciais. Um caso nunca esclarecido, que o levou à prisão e também Condoleeza Rice a adiar uma visita oficial ao Egipto, de um dia para o outro. Nour, literalmente "aura", "brilho", carrega nos ombros o prestígio de ter sido o oponente ao Presidente Hosni Mubarak nas presidenciais de 2005.
Amr Mussa, ex-Secretário Geral da Liga Árabe de Junho de 2001 a Junho de 2011, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros de Hosni Mubarak de 1991 a 2001 e o homem que a 28 de Janeiro do ano passado, a Sexta-feira da Raiva, enfiou Mohamed El Baradei num chinelo, ao misturar-se com a multidão na Praça Tahrir, enquanto este falava às grandes cadeias televisivas internacionais, do conforto do jardim de sua casa, sobre as suas intenções em se candidatar a Presidente do Egipto. Não chegou se quer a ser candidato.
O Egipto, no actual momento de dicotomia CSFA versus Parlamento islamista, necessita claramente de um Presidente civil e laico, capaz de naturais compromissos, sobretudo com os militares. Em primeiro lugar, garantir que a paz com os israelitas não será denunciada, em segundo garantir aos militares que hipotéticas futuras privatizações em vários sectores da economia não fará demasiadas interferências com os seus interesses pessoais e corporativos. Por último, que o dossiê Processo de Paz Israelo-Palestiniano continurá a ser gerido pelo SGIE.
Aos islamistas e aos coptas, terá que garantir a liberdade de culto e a harmonia entre ambas as comunidades, bem como demonstrar uma natural humildade em reconhecer que o sistema de apoio social da Irmandade Muçulmana colmata um vazio proporcionado pelo Estado às populações mais desfavorecidas. Nesse sentido, deverá promover uma cada vez maior aproximação entre este sistema de apoio privado e coorporativo, com o sistema de apoio público, complementando-o e beneficiando do mesmo em todos os aspectos, sobretudo na extensão do seu alcance social e geográfico. Quem ganha, são as populações, independentemente do credo e/ou se são do centro, ou da periferia.
No entanto, tudo dependerá do interesse e respectiva gestão que o Ministério do Interior fará perante as candidaturas agora apresentadas. O panorama, para já, continua a não ser animador.
expresso.sapo.pt/maghreb--machrek
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