12.4.12

Uma opinião sobre a Síria

Raúl M. Braga Pires, em Rabat (www.expresso.pt)

Quinta feira, 12 de abril de 2012

A partir das 06h sírias é impreterível que as hostilidades cessem de ambas as partes, para que o programa de 6 pontos de Kofi Annan seja implementado no terreno. No caso do regime sírio, terá também que fazer recolher os militares e os carros de combate aos quarteis.

O que tem acontecido nos últimos dias, é que o regime tem insistido que é necessário que os "rebeldes" também cessem as hostilidades, exigindo garantias destes, para que por seu lado, possam proceder à retirada dos militares das ruas.

Muito provavelmente, o que acontecerá é o regime sírio cumprir com a sua palavra numa primeira fase e depois sob uma qualquerdesculpa, ou muito provavelmente após uma qualquer indisciplina "rebelde", ganhar de novo razão para voltar a investir.

De momento, o regime sírio encontra-se numa fase bastante confortável. Já se percebeu que russos e chineses não vão deixar passar as propostas anti-Síria no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o próprio programa de 6 pontos não inclui a saída de Bashar Al-Assad da presidência, o Irão continua firme a financiar o regime, a resistência de Homs foi completamente abafada, não se tendo criado aí uma zona livre do restante território, nem se percebendo bem a quem entregar armas, caso se queira armar a oposição. Por outro lado, no passado dia 10, o regime efectuou um verdadeiro teste à Turquia e à NATO, ao ter disparado do seu lado da fronteira para um campo de refugiados sírios em território turco. Resultado, 2 mortos e 15 feridos, naquilo que poderia ter sido interpretado como um acto de guerra e accionado o artigo 5º da Aliança Atlântica. Poderia, mas naturalmente não foi.

E não o foi porque o actual status quo é francamente conveniente a toda a gente, com a excepção dos sírios. Posições extremadas como as da Arábia Saudita e do Qatar, os "Amigos da Síria", que defendem o armamento da oposição ao regime de Assad, são muito convenientes em público, mas na prática não interessam aos próprios que a defendem. Numa situação de conflito generalizado na região e consequente sectarização do mesmo, a Arábia Saudita estaria a braços com um leste xíita secessionista, como já está com o sul da província do Hijaz, xíita, que alinha com os hutís do norte do Iémen, há muito em guerra com o poder central de Saana. Num cenário destes, em que o Irão tudo faria para controlar ambas as margens do Golfo Pérsico, o pequeno Qatar seria também engolido neste estrangulamento sunita/xíita, deitando a perder a luta que o seu Emir encabeça neste momento por uma liderança e prestígio regional, bem como sobrevivência interna, entre problemas renais e irmãos e filhos enquanto príncipes herdeiros e ambições à sucessão.

Para já, os sírios são capazes de respirar por uns dias, mas em breve tudo voltará à normalidade do último ano e, por muito que custe a todos aqueles que acompanham a situação e com ela se preocupam, a verdade é que este continuará a ser considerado um conflito de baixa intensidade, apesar das imagens, apesar dos mais de 10 mil mortos contabilizados até ao momento.

PROGRAMA DE 6 PONTOS DE KOFI ANNAN

1) Compromisso do Regime em trabalhar com enviado da ONU, no sentido de se entender quais as aspirações e preocupações do povo sírio e respectiva nomeação de um interlocutor que trabalhará em conjunto com um grupo de trabalho exclusivamente sírio, inclusivo de todas as partes;

2) Compromisso de cessação de fogo e de urgente e efectiva supervisão da ONU na cessação de toda a forma de violência, de todas as partes, no intuito da protecção de civis e da estabilização do país;

3) Garantir um período diário de assistência humanitária de duas horas, a todo o território afectado;

4) Intensificar o ritmo e o grau da libertação de indivíduos arbitrariamente detidos, incluindo especialmente categorias de pessoas mais vulneráveis, bem como aqueles envolvidos em actividades políticas pacíficas;

5) Garantir a liberdade de movimentos por todo o país a jornalistas, bem como uma política de Vistos de entrada no país não discriminatória;

6) Respeito pela liberdade de associação e pelo direito a manifestações pacíficas, conforme a lei.

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